sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Quem vê o quê?

REIA-BATISTA, VITOR, Quem vê o quê? TV no âmbito da literacia dos media, Comunicar; 2008, Vol. 16 Issue 31, p427-429, 3p

Resumo:

O texto de Vitor Reia-Batista trata sobre o papel da intelectualidade portuguesa e de seus conflitos e confrontos com as mídias de comunicação, em especial a televisão, para que melhorem os conteúdos abordados por este veículo midiático junto aos jovens. Segundo Reia-Batista, nos últimos anos tem-se desenvolvido algum debate público em torno dos diferentes papéis da televisão junto de alguns dos setores mais jovens da população, seja enquanto meio prioritário de entretenimento, seja enquanto meio privilegiado de informação, seja ainda enquanto possível meio de aprendizagens, ou mesmo enquanto simples (ou bastante complexa) «baby sitter» [termo do autor que colocarei como babá ao longo da atividade]. Este debate, que a seu tempo foi de certo modo promissor pelo fato de se ir estabelecer no panorama televisivo uma nova entidade reguladora, acabou por se esvair e não contribuir grandemente para qualquer conhecimento mais aprofundado do problema. O autor defende ainda que as potencialidades que a comunicação e a televisão possuem para abordar os seus temas de maneira alienante e vazia diante dos jovens, podem ser desenvolvidas de maneiras distinta e em prol de uma nova sociedade e de um novo adolescente. Porém, vale ressaltar que esse debate dá-se de maneira acadêmica em direto confronto com o veículo televisivo.

***

Antes de mais nada, vamos ao tema do meu trabalho. Procuro analisar os Festivais Internacionais da Canção da Globo (FICs) entre 1968 e 1972. Um caminho que inicialmente tomarei será trilhado pela Escola de Framkfurt, utilizando-se do conceito de Indústria Cultural, de Theodor Adorno e Max Horkheimer; a idéia de recepção de Walter Banjamin; e da televisão como veículo híbrido (Canclini e Burke); atualizados por Debord em sua obra A Sociedade do Espetáculo.
Desta maneira, o artigo de Vitor Reia-batista vem ao encontro desta pesquisa já que considera que a televisão proporciona uma experiência coletiva e cria laços sociais entre diversas comunidades e setores populacionais de diferentes características sociais, étnicas e etárias, é necessário, segundo Reia-Batista, que a televisão crie narrativas que possam ser consideradas úteis e que possam agregar valores na vida quotidiana dos telespectadores.
Ao se considerar o potencial cognitivo e estético do meio televisivo, o autor demonstra que as narrativas televisivas predominantes podem ser úteis em diferentes sentidos, como por exemplo, para entreter e desviar a atenção da realidade, tanto junto dos mais jovens como dos mais velhos, mas, de igual modo, também podem alertar para questões políticas, sociais e éticas de forma relativamente eficaz, como tem acontecido em alguns exemplos de grande projeção midiática e de impacto social. Além disso, podem estimular o processo de auto-conhecimento dos indivíduos e as suas relações sociais, nomeadamente junto dos mais jovens e do seu forte sentido grupal, originando debates de idéias e diferenças de opiniões, inicialmente adquiridas no campo do cognitivismo midiático e, aliás, intuídas pela generalidade das entidades reguladoras e outras entidades supervisoras das mídia ou de decisão política, embora o sejam, geralmente, apenas pela suas implicações mais negativas.
Portanto, o que o artigo traz de novo conceito sobre o tema diz respeito a que “o momento é apropriado para pensarmos em boas formas de alargar o campo ao desenvolvimento de alguma das características intrínsecas à natureza da televisão para criar, contar e compartilhar narrativas que sejam ‘úteis’ e que contribuam não somente para a democratização da sociedade, mas também para uma mudança de foco da completa banalização temática que assolou a comunicação social”.

domingo, 14 de junho de 2009

O Filme "O Homem da Capa Preta"

Seguem alguns trechos do livro Dialética do Esclarecimento, de Theodor Adorno e Max Horkheimer, capítulo Indústria Cultural: o esclarecimento como mitificação das massas:

O filme começa em Alagoas, com o nascimento de Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque em 1909. Uma poesia de cordel fica ao fundo, enquanto a mãe de Natalício fecha o corpo de seu filho com dizeres que remetem à cultura e à tradição do sertão nordestino.
Natalício, já crescido, presencia a morte de seu pai, Antônio Tenório. O mesmo assassino de seu pai volta anos depois para matá-lo, mas Natalício se aproveita enquanto a arma do jagunço falha e mata o algoz de seu pai à inchadadas.
O enredo salta para a metade da década de 1940, quando Getúlio abre eleições diretas, e mostra Tenório Cavalcanti como um deputado estadual eleito em Duque de caxias, no Rio de Janeiro. Em seu discurso de posse enfatiza: “o povo agora tem um advogado e um defensor”, empunhando a constituição na mão esquerda e sua metralhadora Lurdinha na mão direita, usando uma capa preta que demonstra ao povo que eles agora têm um denfensor.
Tenório se mostra como um típico político populista, que com uma mão acaricia o povo e com a outra manipula. Escutando os problemas do povo, pouco resolve, geralmente transferindo para outros, inclusive para Deus. Andando entre o povo de Duque de Caxias e perguntado por pessoas que bebiam na rua para que time torcia Tenório, este respondeu: “sou Flamengo de coração, Fluminense por convicção, mas eu torço mesmo é para o Bota-Fogo”.
Alcançando uma popularidade cada vez maior, Tenório Cavalcanti também passa a acumular cada vez mais inimigos, principalmente entre os políticos do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), representado no filme pelo deputado Afonso Arinos, inimigo pessoal de Natalício, que chega à câmara Federal pela UDN (União Democrática Nacional).
E o PTB consegue eleger o prefeito, o governador e o presidente, podendo assim agir contra Tenório em Duque de Caxias. É o que acontece. O delegado Lima Maragato vai para a cidade e passa a perseguir sem clemência os aliados de Tenório. Em um evento em que o delegado manda que Tenório tire o chapéu na sua presença e o deputado não acata, Maragato derruba o chapéu de Natalício, que se abaixa para peg-alo e é fotografado de joelhos diante do delegado, abalando sua carreira política.
A partir de então Tenório não usa mais a capa preta e a cidade entra em estado de guerra civil, com morte de vários lados, inclusive a do delegado Maragato.
Sem uma preocupação em mostrar os anos se passando, o filme passeis pelos governos de Getúlio Vargas, de 1951 a 1954; de Juscelino e de Jânio Quadros quase que imperceptivelmente, não fosse pelas expresões dos atores que eram envelhecidos. A instabilidade política do país é contada pelo discurso de Tenório, que sai da UDN para tentar o governo da Guanabara contra Carlos Lacerda e perde. Após a derrota fica sozinho e sem o apoio de seus antigos e fiéis aliados, um camponês e um jornalista, que discordavam da atuação inflexível de Natalício.
Derrotado nas urnas e sem apoio, o homem da capa preta revê suas atuações políticas e resolve mudar, refazendo as alianças perdidas porém com um novo discurso, que agora se aproximava de João Goulart, portanto visto como de esquerda para a época. O jornal Luta Democrática é a voz destas novas idéias, consumido pelas classes mais populares do Estado.
Mas o golpe militar representa também um duro golpe para o renascimento político de Tenório. Seus aliados foram perseguidos e em breve chegaria a vez dele. O jornalista fugiu pela embaixada da Suíça enquanto o operário resolveu ficar e resistir, provavelmente em guerrilhas.
Tenório também ficou. Estava novamente com a Lurdinha em uma mão e a capa preta sobre o corpo ajudando ao povo contra as injustiças dos poderosos. “não sou facista nem comunista. Sou Tenório Cavalcanti. Sou macho”. O político populista estava acima das ideologias.
Na visão do diretor Sérgio Rezende, Tenório é o herói. Um populista saído do povo e que busca governar para o povo. A constituição em uma mão e a metralhadora em outra estão de acordo com a própria representação da deusa grega da justiça que, de olhos vendados, traz em uma mão uma balança e na outra uma espada.
Natalício não entra em crises pessoais, que ficam representadas no papel de sua esposa, que tem breves surtos de loucuras.
Para Sérgio Rezende, o populismo é odiado pelos poderosos e aliado do povo. Tenório acaba do lado de Jango e seus inimigos são conchavados com o exército que tomou o poder. Desta maneira, o golpe militar é também um golpe no governo popular, democrático. Quando a cada de Natalício é cercada pelo exército, entenda-se como a casa de um representante do povo sendo invadida sem mandato, sem leis.
Na última sequência do filme, os militares entram novamente na casa de Tenório em busca de pessoas perseguidas pelo regime que supostamente estariam escondidas ali, no lar do político. Os soldados são liderados pelo arquirival Afonso Arinos, que se dirige a Natalício de diz que vai destruir seu nome e sobre ele jogar sal e pedras, ou seja, a punição dada a Tiradentes, um herói da liberdade. Essa é a visão que tenta passar Sérgio Rezende nesta sua leitura sobre o populismo, aproximando-a dos dias atuais, já que o filme é de 1986 e dialoga menos com o início do regime que com o seu final.
Todo o filme trabalha cores. No início do filme em que Tenório está sempre de preto, seus inimigos estão sempre de branco. Após deixar de usar a capa preta, Tenório é que passa a usar o branco e seus inimigos usam o preto. As câmeras geralmente utilizam-se de planos médios e closes quando Tenório fala, aproximando em planos-detalhes de sua boca ou expressões do rosto quando este discursa raivosamente. Quando seus opositores estão reunidos, raramente suas caras são mostradas, com planos nas mãos, nas roupas ou mesmo colocando objetos na frente do rosto, destacando a figura de Afonso Arinos.
O filme ganhou os prêmio de melhor filme, melhor atriz (Marieta Severo), melhor ator (José Wilker) e melhor música(D. Tygell) no festival de gramado de 1986.

Temas e conteúdos históricos abordados:

O principal conteúdo histórico que percorre todo o filme são os 19 anos que durou o populismo. Segundo a leitura que o diretor Sérgio Rezende fez, os populistas são apresentados pela figura de Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque e estão ao lado do povo. No caso de Tenório, emergiram do próprio povo. Tanto que nos momentos em que o deputado Tenório se afasta do povo, sofre grandes derrotas e fica isolado politicamente. Populistas históricos tradicionais como Getúlio Vargas e mais superficialmente Jânio Quadros, são vistos sutilmente como inimigos.
O período temporal do filme percorre os 19 anos de populismo começados historiograficamente em 1945, com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas e a eleição de Eurico Gaspar Dutra, até a Revolução Gloriosa de 1964, conhecida menos gloriosamente como golpe militar, cujo primeiro presidente foi Humberto de Alencar Castelo Branco.
Passam-se por estes diferentes anos, diferentes presidentes. Dutra (1945-1951), Getúlio Vargas novamente (1951-1954), o presidente João Fernandes Café Filho (1954-1955) que sucedeu Vargas após o suicídio, Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio Quadros (de favereiro a setembro de 1961), João Goulart (1961-1964) e Castelo Branco (!964-1967). O filme consegue passar a instabilidade do populismo que em menos de 20 anos teve seis presidentes dos quais apenas dois cumpriram todo o mandato, que foram Dutra e JK.
Os idealizadores do filme não deixaram de considerar o fato de estarem produzindo a película em 1986, logo após o fim do regime. Assim, dialogam diretamente com os anseios de um público que quer vilanizar os militares e exaltar os últimos democratas antes do golpe. Em função disto Tenório era um democrata populista que se aliou a João Goulart. Ambos foram perseguidos assim que os militares tomaram o poder. Eles foram os últimos democratas e estavam ao lado das massas. Os inimigos de Tenório, por outro lado, acabaram todos ao lado da ditadura, perseguindo o povo.
Tenório é como o povo: fala o que pensa. Seus inimigos atuam sempre escondidos, confabulando em reuniões em que suas caras não aparecem. Assim é Afonso Arinos, com atitudes indiretas de nomear cargos para perseguir seus opositores. Essa é a linha que Rezende se utiliza para contar os fatos do populismo como pré-cessor do regime militar em diálogo com o momento de pós-ditadura.

Resenha de Apple e Beane sobre Escolas Democráticas

Um ensino democrático é sintetizado por M. Apple e J. Beane. Eles juntaram as teorias de Dewey, principalmente, e de outros autores do ensino democrático dando um corpo que torna mais visual e palpável as propostas dentro do título “Escolas Democráticas”.
Antes de tudo os próprios autores tentam definir o que é democracia, o que com estrema dificuldade não chegam a uma conclusão objetiva mas encontram conceitos que servem para ilustrar o que seria o modo ideal do pensar democrático.

Outros estão comprometidos com a idéia de que o modo de vida democrático é construído sobre as oportunidades de descobrir o que é esse modo de vida e como ele deveria ser conduzido. Acreditam que as escolas, como experiência comum de praticamente todos os jovens, tem a obrigação moral de lhes apresentar o modo de vida democrático. Sabem também que esse modo de vida se aprende pela experiência. Não é um status a ser alcançado só depois que as outras coisas são assimiladas. Além disso, acreditam que a democracia se estende a todas as pessoas, inclusive aos jovens. Por fim, acreditam que a democracia não é incômoda nem perigosa, que pode dar certo nas sociedades e nas escolas. (p. 18)

De fato, os autores acreditam que a sociedade ainda não encontrou o verdadeiro sentido da democracia, atribuindo-a ao governo exercido, ao voto e, por vezes, utilizada como argumento para conseguir o que se quer: “isso (não) é democracia”. Neste sentido seria um conceito flexível. Enquanto pessoas desacreditam, outros a justificam como argumento para tudo. Mas segundo Apple e Beane, quem teve a boa e verdadeira democracia, não abriria mão dela, deixando-a de legado para seus filhos e netos.
Porém se o conceito de democracia não fica tão objetivo, os educadores sabem muito bem o que querem das escolas democráticas. A começar pelos pontos enumerados que representam as principais preocupações centrais dessas escolas. Seriam estes o livre fluxo das idéias; capacidade individual e coletiva de as pessoas criarem condições de resolver problemas; o uso da reflexão e análise crítica para avaliar idéias. Preocupaçãi para o bem-estar de outros e com o bem comum; preocupação com a dignidade e os direitos do indivíduo e das minorias; a compreensão de que a democracia é um conjunto de valores “idealizados” que regulam a nossa vida. (p. 17) Então o texto “Escolas Democráticas” estabelece as pretensões que uma escola assim deve almeijar:

As escolas democráticas pretendem ser espaçoe democráticos, de modo que a idéia de democracia também se estenda aos muitos papéis que os adultos desempenham nas escolas. Isso significa que os educadores profissionais, assim como os pais, os ativistas comunitários e outros cidadãos têm o direito de estar bem informado e de Ter uma participação crítica na criação das políticas e programas escolares para si e para os jovens.

Essas escolas são resultados de tentativas de dar vida à democracia em sala de aula através de duas linhas de trabalho: “uma é criar estruturas e processos de democráticos por meio dos quais a vida escolar se realize. A outra é criar um currículo que ofereça experiências democráticas”. Isto quer dizer que todos aqueles diretamente envolvidos com a escola, dentro e fora dela, tem o direito de participar das tomadas de decisões e em sala de aula, professores e alunos envolvendo-se nos planejamentos disáticos, chegando a consensos que agradam ambas as partes. Com isto, visaria, não só o crescimento de cidadania do estudante, como também findar a competição em classe (p. 20-22).

Ora, dentro das escolas aqui descritas, é impossível que uma mudança haja sem que seja trabalhado de maneira especial o currículo, isto é, democratizar a formação e criação curricular. Com que objetivo? Ampliar suas idéias e expressar as que já tiveram.
Lógico que seria fundamental que o meio social em que o estudante vivesse fosse todo igualmente democrático, ou seja, em que os jovens são leitores críticos da sociedade. Porém tal leitura caberá à escola oferecer, expandindo-se da escola para fora enquanto não se torna uma pista de mão dupla. Agindo em cooperação com o currículo da escola, os alunos abandonarã o papel passivo de “consumidores do saber”, e passarão a ser “elaboradores de significados” (p. 30).
O currículo deve também ser aberto à comunidade, pois trabalhará questões da vida coletiva ao redor do aluno. Assim trataria dos conflitos, o futuro e a justiça na comunidade em que vive o alunos, por exemplo.

Numa sociedade democrática, nenhum indiv;iduo ou grupo de interesse pode reinvidicar a propriedade exclusiva do saber e dos significados possíveis. Da mesma forma, um currículo democrático inclui não apenas o que os adultos julgam importante, mas também as questões e os interesses dos jovens em relação a si mesmos e a seu mundo.

Mas a implantação deste sistema enfrenta diversas barreiras. Entre eles, Apple e Beane citam a exaustão e os conflitos devido às escolas serem instituições historicamente antidemocráticas, principalmente com as miorias. Mas os principais problemas se encontram quando se deparam com os que se beneficiam das desigualdades ou com os que se interessam no poder hierárquico. Todavia, como enfatizam os autores, uma experiência democrática se constrói mais por meio de esforços repetidos que fazema diferença (p. 24-25).
Para a implementação de um currículo democrático, muitas escolas evitam o assunto sabendo que estão restringindo o conhecimento transmitido, o cnhecimento oficial, produzido pela classe (cultura) dominante; também, nos moldes velhos de currículo, silencia-se as vozes da cultura oprimida, o que está claro nos livros didáticos. Ora, as condições vigentes são antidemocrática, cabendo aos professores romperem com isto, em eterna tensão, ao mesmo tempo em que transmitem conhecimentos dos grupos educaionais no poder.
Por fim o desinteresse em jovens mais preparados criticamente está, dentro das escolas, acompanhado do medo da análise aguçada que podem levar os estudantes a questionarem o conhecimento escolar e dominante, levando-os a questionar problemas sociais ainda maiores. E a participação no currículo também ameaçam revelar as contradições éticas e políticas, fazendo com que o aluno questine valores que a escola diz defender ou afastando os discentes deles (p. 32).
Como visto, Apple e Beane são muito mais críticos e perfuram muito mais as questões que permeiam a educação do que Dewey, ainda que este seja a grande referência teórica dos dois primeiros. Embora a opinião do texto Escolas Democráticas seja de que não se trata de algo tão difícil de ser posto em prática, no fundo eles são mais pessimistas, ou como diria Umberto Eco, “apocalipticos”. Mas isso é uma outra história para um outro por-do-sol.

1961: que as armas não falem

FELIPE ARAÚJO DE CARVALHO


1961: que as armas não falem
MARKUM, P.; HAMILTON, D. 1961: que as armas não falem. São Paulo: SENAC, 2001

As obras históricas escritas por jornalistas costumam ser criticadas por sua falta de fundamentos e pesquisas mais aprofundadas. Ainda que se questione, é reconhecido a importância de um registro que o historiador ou o sociólogo deixam de fazer por seus métodos específicos.
No caso do trabalho de Markum e Hamilton, o fato de um livro tão grande tratar basicamente de treze dias é reflexo de uma grande pesquisa, e ainda que possam ser expostas as críticas, reproduzem um momento da história do Brasil de suma importância política para o país.
1961, o ano em que o Jânio Quadros assumiu o cargo maior da política nacional: a presidência da república. Também foi o ano em que, sete meses depois, veio a renunciar. As especulações são muitas. A versão mais contada é de que o presidente esperava, a exemplo do que ocorreu com Getúlio Vargas, que o povo fosse às ruas pedir que voltasse ao cargo para assim assumir com poderes plenos e mais consistentes. Uma fita cassete é o principal documento. Mas uma renúncia em si não é fato tão decisivo para levar um país a uma tempestade, afinal, o primeiro presidente brasileiro, Deodoro da Fonseca, já havia sido também o primeiro a renunciar, levando o nosso país ao primeiro ditador ainda não oficialmente: Floriano Peixoto. Pois bem, a renúncia de Quadros desencadeou também uma futura ditadura, mas vamos por partes.
Quando Jânio renunciou, o seu vice presidente encontrava-se na China. Qual o alarde? Os anos sessenta foram os mais extremos e delicados no que dizia respeito à guerra fria, pois em 1959, menos de dois anos antes do ocorrido no Brasil, a Revolução Cubana demonstrava ter sido bem sucedida na ilha caribenha sobra a liderança de Fidel Castro e Ernesto Guevara. Inclusive, polêmico como era Quadros, resolveu condecorar com a principal premiação que se dá no Brasil, o próprio Che. Esse governo polêmico foi, entre outros fatores, um dos alarmantes para que as antenas do militares ficassem ligadas na política do momento. Voltando ao assunto, João Goulart, ou Jango como era conhecido, estava na China, e o grande agravante de sua estadia é que o país de Mao Tsé era comunista e este era, em toda a América, o temor maior dos políticos no poder brasileiro.
Devido a situação indelicada em que se encontrava o país e à imagem que ficou de Jango, este foi do oriente para um país platino, o Uruguai, e de lá veio ao Brasil pelo Rio Grande do Sul, em que seu parente Leonel Brizola já havia se preparado para uma guerra na qual afirmou que ao menos no Rio Grande Jango governaria. De fato, o velho caudilho tina preparado trincheiras na fronteira gaúcha com o resto do país.
Os militares então permitiram a ascensão de Goulart ao poder mas sob o regime parlamentarista, ou seja, ele não governaria. Posteriormente foi feito um plebiscito em que esta forma de governo foi derrotada em prol do presidencialismo e Jango passou a governar de fato... mas seu primeiro grande plano de governo foi barrado, não pelo congresso, mas pela ditadura de 64.
Em todo caso, os autores Markun e Hamilton centram-se apenas no ano de 61. Em especial nos 13 dias governados por Ranieri Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados durante a conturbação. Os autores narram os fatos como uma colagem nem sempre ordenada adequadamente, mas centram e comentam os protagonistas do período. Declaração são complementadas por documentos e, além de Jânio e Jango, personalidades como o governador da Guanabara Carlos Lacerda; Marechal Lott, militar a favor de Jango; o governador de Goiás Mauro Borges; além de Guevara, Brizola, Mazzili e outros são citados.
O ano foi ainda mais comentado pela preparação bélico-militar que o exército nacional fez, pronto para uma guerra, que terminou ficando para dias depois. Alguns prenunciavam uma guerra civil. Os meios de comunicação, a exemplo do que ocorrera menos de 20 anos antes, na ditadura Vargas, foram duramente censurados, principalmente as rádios, tendo sido colocados censores nos jornais impressos. Era uma censura explícita, que mostraria sua cara verdadeira nos primeiros anos de Castelo Branco.
1961: que as armas não falem. Uma boa obra para se entender o ano decisivo para os 24 anos posteriores. Entretanto deixa um gostinho de “quero mais” por ser superficial nas conseqüências deste ano tempestuoso. Também falta mais base nos antecedentes históricos, mas cumpre um importante papel na (e para) história do Brasil.

Uma breve biografia de Rousseau

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Em Genebra, a 28 de junho de 1712, nascia Jean-Jacques, filho do relojoeiro e mestre de dança Isaac Rousseau e de Suzane Bernard, que morreria oito dias após o parto. Sua tia paterna ficou com o menino enquanto o pai viajava para Constantinopla a trabalho. Rousseau aprendeu a ler com a tia, que lhe enviou ao Pastor Lambercier, em Bossey. Após dois anos Rousseau foi expulsou do local, acusado de roubo. Indo à casa do cura de Confignon, este notou em Rousseau conflitos intensos. Enviou-o com uma carta à Senhora de Warrens, residente em Annecy, convertida ao catolicismo. Jean-Jacques tinha 16 anos e se impressionara com a mulher. O objetivo do cura era ganhar mais um converso, mas a Senhora de Warrens enviou o rapaz para Turin. Em 1728 Rousseau converte-se ao catolicismo. Termina por virar secretário da Senhora de Vercellis. Com a morte da patroa acusam-no de furto e o expulsam sem escutar explicações. Vai parar em um seminário em que fica quatro meses e logo depois passa a dedicar-se a música.
Rousseau vai à Paris em 1741 para apresentar a Academia de Ciência seu trabalho musical. No hotel que residia conheceu Thárèse Le Vasseur com quem se envolveu, dificultando seu sustento. Através da música fez-se amigo de Voltaire. No ano de 1749 a Academia de Dijon instituiu um concurso temático de textos no qual Jean-Jacques ganhou com seu Discurso sobre as Ciências e as Artes. Estava lançado o pensador, o que não o salvou de suas dificuldades econômicas. Em 1753 participou de outro concurso da mesma academia com a obra Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os homens. Neste ano volta ao protestantismo, pois sua cidade o tinha em conta a não ser por se tratar de um suíço católico. Mas com a publicação do Discurso, Genebra o repudia, e o próprio Voltaire, vivendo na Suíça, condena-o em tons sarcásticos. Rousseau abandona Genebra e publica Lettre sur la Providence, endereçado a Voltaire e outros títulos.
Em 1762 o Contrato Social é editado em Amsterdã. No mês seguinte Emile é lançado em Amsterdã e em Paris simultaneamente. O livro é condenado a fogueira e o autor à prisão. Este refugia-se no interior da Suíça, mas ali chega a mesma sentença, levando Rousseau a refugiar-se em território Prússio. Porém Voltaire publica um panfleto que impossibilita a permanência do suíço neste território e Rousseau vaga por Estrasburgo, Londres, Normandia, Bourgoin (onde casa-se com Thérèse).
Rousseau morreu no castelo de um admirador seu, o Marquês de Girardin, no dia 2 de julho de 1778. Ninguém mais do que ele foi cultuado pelos revolucionários de 1789.

Rousseau III: O contrato social

Tentarei ser breve e claro para explicar o que é o contrato social. Imaginemos o homem nos seus primeiros tempos, em que ele era livre. Como dito antes, catástrofes naturais os uniriam e eles se organizariam em famílias, que mais tarde daria origem à sociedade. Entre os homens livres existe o conceito do “eu”, a individualidade, mas o ser humano abre mão do “eu” pelo “meu” quando passa a viver em sociedade, pois esta surge com a propriedade privada. Neste estado o homem já não tem total liberdade e para cada um defender o “seu” surge o Contrato Social, em que a vontade individual dá lugar à vontade universal, a força lugar ao poder e a sociedade ao estado de guerra, pois a vontade de ampliar o “meu” faz com que homens ambiciosos entrem em conflito entre si por mais propriedade. Este contrato social mais tarde é regido por leis, que a princípio é a vontade de todos nas mão de todos e em que os que criam as leis devem estar igualmente a elas submetidas.
Para Rousseau existem quatro tipos de leis no seio social: políticas, para reger os homens; civil, para regular a liberdade entre os homens, deixando-os livres entre si mas dependentes do Estado; leis criminais, para aqueles que desobedecem as leis e as normas culturais, a mais importante de todas elas. O Estado, por sua vez, seria formado pelo soberano, que executaria as leis; o governo, que ficaria entre o soberano e os vassalos garantindo os direitos e impedindo abusos através das leis; e logo viriam os vassalos, ou o povo.
O Contrato Social lembra em muitos aspectos a obra O Príncipe de Maquiavel, mas exalta à república. Durante a obra trata-se de todas as formas de governo teorizadas por Aristóteles, acrescentando dados a mais. Diz que a democracia só seria possível em um povo de deuses, pois é muito perfeita para os homens, e, como dito, ressalta a república como único sistema virtuoso para os homens.
Rousseau acreditava que os grandes Estados tinham pouco ou nada de solução, mas chegou a elaborar constituições para pequenos Estados, como a Polônia. A política era um de seus temas favoritos.

Rousseau II: Sobre a Desigualdade

Este foi um tema bem discutido ao longo da disciplina, assim darei algumas pinceladas. Quando apresentei o trabalho sobre o Discurso sobre as Origens e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, pensei que seria fácil expor em sala de aula as idéias de Rousseau, afinal, a desigualdade não é algo difícil de explicar, ainda mais lendo um autor tão apaixonante. Porém foi como explicar a simples frase “penso logo existo” de Descartes. Óbvia de início, mas de difícil explanação.
Rousseau trabalha o homem de natureza e fundamenta a origem da desigualdade com o advento da propriedade privada. A partir do momento que passa a viver em sociedade, desvincula-se da natureza e passa a perverter-se. Essa perversão é a busca de sua virtude original que nunca mais encontrará e a qual sempre procurará substituir, indo sempre ao caminho da desgraça. Jean-Jacques trata a linguagem e o trabalho como a queda do mundo perfeito e a ascensão para a alienação. A propriedade privada e por conseguinte a sociedade é que marcam o estado de guerra. Nessa construção do homem social, as catástrofes naturais é que teriam unido o homem e este organizado-se familiarmente, aos poucos deixando a natureza para constituir uma comunidade aos moldes familiar. Assim surgiria o trabalho como cooperação comunitária e junto a língua como advento da consciência da alteridade entre os próprios homens (MATOS, O., p12). Essas duas propriedades alteram a maneira de ser dos homens e tiram o homem do “amor por si” lavando-o ao “amor-próprio”. Logo viriam a questão do “meu” e assim a propriedade, o trabalho alienado, a submissão. Passou-se da força para o poder. O homem separado da natureza aliena-se por que passa a depender de produtos esternos produzidos por ele para sobreviver, acreditando que depende deles e não do trabalho que os produz. O ser humano caiu do paraíso para o qual nunca mais voltará. Caiu em desgraça e para a desgraça continuará. Um pouco negativo, ele, não?

Rousseau I: Sobre as Ciências e as Artes

Só quem leu o Discurso Sobre as Ciências e as Artes sabe a coragem do autor em enviar para o concurso da Academia de Ciências de Dijon, para o concurso sobre o tema “Contribuiu o restabelecimento das ciências e das artes para o aperfeiçoamento dos costumes?”. Ilude-se quem imagina encontrar sequer um elogio às ciências ou às Artes, pois ambas são massacradas pelo autor como responsáveis pela inércia e ignorância humanas. Aliás, é uma verdadeira apologia da ignorância. “A arte amolece o espírito e corrompe a sociedade. Mais vale conquistar o mundo do que ser um mundo de arte”, diz Rousseau (p. 213-14). Ressalta que as grandes civilizações caíram quando passaram a dedicar-se às artes e ciências (Egito, Grécia, Roma); crítica a filosofia, dizendo que ouvindo os filósofos os tomaríamos por um bando de charlatães (p.228). Fala mal nitidamente do próprio iluminismo: “Deus todo poderoso! Tu que tens nas mãos os espíritos, livra-nos das luzes e das artes funestas de nossos pais, e dai-nos a ignorância, a inocência e a pobreza” (p. 229). Desacredita os mestres dizendo que os grandes gênios destes não precisaram, e que o ensinamento de um iria apenas limitar um bom pensador (p. 229). Por fim, por esses trechos é possível visualizar como confrontou aqueles que o deram o primeiro prêmio e exorta a virtude como única arte e ciência que o homem deve seguir.

O Livro Didático no contexto de transição dos paradigmas da história

Felipe Araújo

Resenha do texto “O livro didático no contexto de transição dos paradigmas da história”

De Flávia Eloísa Caimi


O texto de Caimi é interessante e começa por demonstrar que a produção dos livros didáticos de história não ocorre de maneira paralela à produção acadêmica e antes tem com esta uma sintonia, bem como compartilha da evolução do mercado editorial e da historiografia social. Antes seria, então, o livro didático de história “o elo de ligação entre a produção acadêmica e o professor de história”, o que causa uma “inovação teórica e metodológica” (1).
Podemos entender, então, o livro didático como uma opção política e teórica do autor da obra, o que estará presente na obra. Da mesma forma que o historiador, o autor é um “selecionador”. O historiador seleciona entre “incontáveis manifestações humanas”, enquanto que o autor de livros didáticos julga o que é “digno” de se passado através do ensino. Claro que este autor é, como todos os homens e mulheres, fruto de sua época.
Na polêmica dos campos paradigmáticos que o autor deve seguir, existem cinco eixos centrais, que Caimi coloca na seguinte seqüência: concepção de história, concepção de ensino, periodização, “objetos, fontes e bibliografia” e sujeito histórico. Em seguida, Flávia Eloísa vai se debruçar por explicar um a um destes termos, dividindo os produtores e autores de livros didáticos em grupos, dentro da concepção histórica, como sendo quatro principais, ou seja, história como estudo do passado, história como transformação social, história como, a história do cotidiano e a história como experiência humana.
Dentro da concepção de ensino, Caimi também divide em alguns grupos. Por exemplo, um primeiro movimento majoritário “apresenta uma proposta pedagógica que não oferece espaço para a multiplicidade de leitura historiográfica, para o confronto ou divergência de opiniões” (2). Tem ainda uma segunda corrente que “propõe uma metodologia dinâmica e crítica, oferecendo mais de uma visão sobre determinado tema” (3). Claro que ao longo de todo o texto, Flávia Eloísa se coloca ao lado de um aluno atuante, ou seja, posiciona-se diante da segunda corrente proposta.
Quanto à periodização, Caimi acredita ser esta uma das mais complexas tarefas que se impõe ao historiador, o que aponta para três possibilidades principais: o da cronologia linear, de acordo com os modos de produção e o ensino por eixos temáticos. Mais uma vez o texto tende a apoiar a última proposta oferecida.
Para a autora o os livros didáticos ainda estão muito tímidos na abordagens dos objetos, deixando temas sociais ainda ausentes do livro. Novos enfoques (negros, homossexuais, mulheres, analfabetos, pobres, crianças, etc.) devem ser abordados com seriedade sócio-histórica, e a fonte bibliográfica deve ser coerente com o que o autor se propõe. Também devem explorar fontes pouco exploradas na produção didática, como revistas, jornais e outras que estejam próximas ao próprio aluno, ampliando as “possibilidades de leitura histórica (4)” através destas novas fontes.
Quanto ao autor ao tratar do sujeito histórico, o que se apresenta como maior questão a ser modificada é que geralmente quem produz o livro didático “faz a crítica ao vencedor e omite a história do vencido, destrói alguns mitos e não recupera a experiência das minorias excluídas da história”.
A obra é conclusiva a muito clara quanto às tendências dos autores e se apresenta como um texto de importância a historiadores e professores de história que queiram se dedicar à produção de livros didáticos.

1- P. 76
2- p. 86
3- p. 87
4- p.99